GENTE NOSSA
A contribuição de Niemeyer para a biblioteca comunitária começou a ganhar vida quando Evando dos Santos viu o arquiteto em um programa de televisão. “Foi quando eu tive a idéia de pedir ajuda a ele. Então, fui até seu escritório, onde fui muito bem recebido, e para minha felicidade ele aceitou fazer o projeto que hoje está ganhando vida”, recorda.
Hoje, o local recebe até 50 visitantes por dia e funciona de domingo a domingo. Evando faz questão de enfatizar de que não há prazo para a devolução dos livros. “Quem vem aqui pode pegar quantos livros quiser, e pode ficar com eles o tempo que achar necessário. Também não há problema se a pessoa não devolver o livro. Se ela quis ficar com a obra é porque deve estar precisando. Esta é uma biblioteca sem burrocracia. Livro é para ser degustado e não policiado” afirma Evando.
Com seu trabalho Evando ajudou a montar outras 37 bibliotecas em diversas cidades do Brasil. Seu sonho já lhe rendeu alguns prêmios como a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Outra entidade que premiou Evando foi a Academia Brasileira de Letras (ABL), com uma medalha comemorativa pelos 110 anos da instituição. Além disso, a sua história de vida virou tema do livro “Un Cortile di Parole” do italiano Remo Rapino.Cultura e justiça na praiaSe Evando dos Santos contasse que ajuda a organizar arrastões em Copacabana poderia parar em uma delegacia. Mas na verdade trata-se do Arrastão Literário. No evento que acontece há três anos, Evando transforma-se no homem-livro, e, juntamente com amigos, percorre a Avenida Atlântica - do hotel Copacabana Palace até a estátua de Carlos Drummond de Andrade - distribuindo livros a quem passa pela rua.
Quem também deixou marcas na vida de Evando no interior de Sergipe foi a mula Poquinha. “Meu avô, José Mestre, era comboieiro e a Poquinha era quem puxava o comboio. Ela conduzia com tanta maestria que achávamos que tinha inteligência de um ser humano. Se houvesse algum percalço pelo caminho a Poquinha sabia a hora de parar. Quando ela morreu meu avô entrou em depressão e nunca mais foi a mesma pessoa”, conta Evandro, recordando que além de comboieiro, José Mestre tinha consciência ecológica. “Meu avô tinha um sítio em que metade do terreno era utilizado para a pastagem dos animais, e na outra ele preservou a vegetação natural dizendo que aquele lugar era a moradia dos pássaros” disse ele.
Vida suburbanaEm 1973, com 12 anos de idade, Evandro veio com a família para o Rio de Janeiro em busca melhores condições de vida. O primeiro domicílio foi na Rua Joaquim Rodrigues, no bairro de Cordovil. Aos 18 anos, e com a ajuda do amigo Santos Santana conseguiu um emprego de pedreiro na extinta Editora Manchete, no bairro de Parada de Lucas.
Quando entrou para a Igreja Batista, Evandro teve seu primeiro contato com as letras. “Foi o Pastor José Evangelista que me deu as primeiras aulas. E tudo começou pela Bíblia, em que a primeira coisa que consegui ler foi o salmo 23”, lembra. Outro personagem que ajudou Evandro a descobrir o mundo das palavras foi o pedreiro da Vila do João, Demival Pereira. “Ele me apresentou grandes nomes da literatura mundial como Shakespeare, Lima Barreto, Pablo Neruda, e Tobias Barreto de Menezes”. Este último Evando dos Santos faz questão de contar mais detalhes. “Tobias Barreto foi a primeira pessoa a escrever um jornal em alemão na América do Sul e dava aulas de literatura comparada”. Ele também cita uma frase do autor que diz que “A vida é uma literatura. Ler é lutar”.Vida literária“No dia 17 de julho de 1998 fui consertar um vazamento na casa da Dona Benedita, na Rua do Cajá, na Penha. Antes disso, às 09h42, passei na loja de peças do Sr. Antônio Cozzolino. Lá encontrei uma pilha de 50 livros que seriam destinados à doação. Então resolvi ficar com todos”, recorda Evandro. Foi assim que a história da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Menezes começou a ganhar vida na própria casa de Evandro dos Santos. “Percorri vários lugares do Rio de Janeiro de ônibus para buscar doações de livros”. Oito anos depois, as 45 mil obras que conseguiu juntar aguardam a mudança para as novas instalações, que levam a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.
O primeiro andar será ocupado por estantes onde ficarão os livros e mesas de estudo. No segundo serão montadas salas de aula para cursos de línguas. “Inicialmente teremos curso de inglês e italiano. À noite, no curso de letras Machado de Assis, serão estudadas as línguas portuguesa, inglesa, espanhola, italiana, alemã e a língua bunda, de origem africana” afirma Evandro. O terceiro e último andar vai abrigar um auditório, onde serão realizadas palestras e eventos como dos Contadores de História.
No novo espaço da biblioteca comunitária Tobias Barreto de Meneses, até as paredes, formadas por blocos de concreto vão respirar literatura. “Vou colocar um placa com uma frase poética em cada bloco de tijolo das paredes”, conclue Evandro.